As pequenas têm chance no programa habitacional? – 16/7/2009

As pequenas têm chance no programa habitacional? – 16/7/2009

Fonte:Construção Mercado

Projetos nas faixas de renda mais baixas do programa habitacional são um desafio às empresas pouco capitalizadas e que não produzem em larga escala

Por Daniela Lessa

Marcelo Scandaroli
A baixa rentabilidade em algumas faixas de renda do programa habitacional é mais indicada para empresas que produzem em série

O programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, que entrou em vigor no mês de abril, tem movimentado a construção civil. Nos últimos meses, incorporadoras listadas na Bolsa de Valores revisaram, para cima, suas metas para 2009; fusões e aquisições foram anunciadas, investidores estrangeiros fizeram novos aportes de capital em algumas incorporadoras e bairros inteiros estão sendo lançados no âmbito do programa. No entanto, toda essa movimentação de mercado tem sido protagonizada pelas grandes empresas do setor, e levanta a questão: as empresas menores serão contempladas? Uma enquete realizada pelo portal PINIweb no mês de maio, que perguntava qual era a maior dúvida dos internautas sobre o pacote habitacional, é reveladora: 40% selecionou a opção “sou pequeno, tenho chance?”.

Segundo as fontes consultadas nessa reportagem, dois pontos do programa habitacional afetam as empresas menores, por exigirem maior capitalização e produção em larga escala: 1) a baixa rentabilidade dos projetos na faixa de zero a três salários mínimos; e 2) no Rio de Janeiro e em São Paulo, principais centros urbanos do Sudeste, a Caixa Econômica Federal só libera o financiamento para a construção depois de ter entre 20% e 30% das unidades habitacionais de empreendimentos dedicados à faixa salarial de três a seis salários mínimos vendidas na planta.

Segundo o presidente do Sinduscon-Rio (Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Rio de Janeiro), Roberto Kauffmann, essa regra pode vir a privilegiar empresas de maior porte porque elas são mais capitalizadas e, consequentemente, têm mais fôlego para iniciar a obra antes mesmo de receber os recursos da Caixa. “O público-alvo para casas e apartamentos nessa faixa média do programa não tem o hábito de comprar na planta e isso pode dificultar a vida de construtoras pequenas”, analisa.

O sócio-diretor da construtora carioca de pequeno porte Sertenge, Antonio Galiano, tem opinião semelhante. Ele conta que é comum as vendas aumentarem na fase de construção, quando casas e prédios começam a ser levantados. “Em geral, pessoas que não têm conhecimento e informações para analisar as oportunidades de um imóvel em construção, preferem comprá-lo depois de pronto”, afirma.

A opinião de que há dificuldades para os construtores de menor porte atenderem ao mercado de três a seis salários se repete em São Paulo, onde o vice-presidente de Habitação da Apeop (Associação Paulista de Empresários de Obras Públicas), Osvaldo Garcia, é categórico: “o mercado de três a seis salários tende a ser dominado pelas grandes”. Ele ressalta, porém, que esse domínio não significa o alijamento das pequenas empresas. “As grandes vão dominar, mas tem mercado para todo mundo”, pondera.

Em sua avaliação, as empresas pequenas têm certas vantagens competitivas em relação às grandes porque seus custos fixos são mais enxutos. Garcia também vislumbra outra perspectiva de inserção das construtoras menores nos mercados populares: a associação com grandes companhias por meio de SPEs (Sociedades de Propósito Específico). Nesse arranjo, as partícipes de maior capital aportariam seu estoque de terrenos, o projeto de engenharia e ficariam responsáveis pelo esforço de vendas. As de menor porte, por outro lado, assumiriam a construção dos conjuntos habitacionais. Dessa forma, a economia de escala de ambas as empresas seria atendida: as grandes poderiam tocar vários projetos ao mesmo tempo e assegurar sua rentabilidade, enquanto as pequenas se dedicariam às obras sem se preocupar com o capital inicial, nem com o processo de vendas.

No Rio, o setor discute propostas para eliminar a referida exigência de vendas concretizadas, substituindo-as por um cadastro de interessados, que está sendo elaborado pela Secretaria de Habitação do Município. Em paralelo, o Sinduscon-Rio sugere que seja adotado um processo complementar de garantias, limitando os recursos fornecidos a 20 vezes o valor do patrimônio líquido da empresa tomadora do crédito.

Os critérios do cadastro só consideram terrenos já adequados às exigências do Minha Casa, Minha Vida e aprovados pela administração municipal. “Esperamos que esse cadastro reúna 600 mil compradores potenciais em dez meses”, prevê Kauffmann. A informação de demanda, acredita o representante do Sinduscon-Rio, servirá para apontar oportunidades aos empreendedores para reduzir a percepção de risco da instituição financeira e contribuirá para o barateamento do projeto.

Marcelo Scandaroli
Pequenas empresas também podem participar indiretamente do programa, prestando serviços para as grandes
O nó do zero a três
Se atender o mercado de três a seis salários requer capacidade de adaptação das companhias de pequeno e médio porte, o mercado de zero a três apresenta complexidade ainda maior. As empresas fazem estudos para avaliar a viabilidade de projetos dedicados a essa faixa salarial, mas, em princípio, afirmam que será difícil equacionar os custos, principalmente devido ao preço dos terrenos.

O presidente do Sinduscon de Pernambuco, Gabriel Dubeux Neves, é o mais cético. Para ele, a faixa de zero a três salários não é atrativa para as construtoras. “Mesmo as empresas que abriram capital e compraram muitos terrenos, compraram caro e não vão conseguir se enquadrar”, diz.

Ele comenta que os terrenos no Recife e cidades vizinhas são muito caros pela escassez de oferta e por uma série de problemas fundiários, que aumentam a burocracia. “Aqui, a solução é a autoconstrução mesmo. Tendo projeto e o terreno, os moradores se reúnem em mutirão e constroem suas casas”, afirma. Segundo Neves, dos 200 associados do Sinduscon-PE, 100 são construtoras e apenas umas dez estão interessadas em participar do Minha casa, Minha vida, na faixa salarial de zero a três salários.

O presidente do Sinduscon do Rio Grande do Sul, Carlos Alberto Aita, tem opinião semelhante à de Neves e afirma: “os preços (das casas e apartamentos populares) não estão adequados à realidade”. De acordo com os cálculos de Aita, a rentabilidade de um empreendimento de casas populares nos moldes estabelecidos pelo Minha Casa, Minha Vida seria de cerca de 10%. “E olhe lá”, faz ressalva.

Para Rogério Areias, sócio-diretor da RR Engenharia, construtora de pequeno porte do Rio de Janeiro, a viabilidade do segmento de zero a três salários passa pela integração entre a Caixa, as empresas e o poder público, cujo papel seria oferecer terrenos a preços reduzidos ou com obras de infraestrutura. “Isso ajudaria muito”, diz.

* Do dia 13/abril a 13/maio. Fonte: Caixa Econômica Federal

Caixa responde
A razão do morde e assopra entre construtoras e Caixa é que a maioria das empresas quer ajustes para o Minha Casa, Minha Vida, mas nem por isso deixa de apostar no projeto tal como está. A Múltipla, do vice-presidente da Apeop, por exemplo, estuda cinco empreendimentos de casas populares para mutuários de zero a três salários em São Paulo, Campinas e Sorocaba, totalizando 2.500 unidades, além de estar ajustando dois empreendimentos para as faixas de três a seis (600 unidades) e de seis a dez (300 unidades).

Outro exemplo é a construtora pernambucana Saint Enton, que assinou com a Caixa, no dia 30 de maio, o primeiro financiamento das regiões Norte e Nordeste para construção de casas destinadas a compradores de zero a três salários, no âmbito do Minha Casa, Minha Vida. A empresa construirá 278 casas populares no município de Vitória de Santo Antão a um custo unitário de R$ 36.400,00. O investimento previsto é de R$ 10,2 milhões e os compradores pagarão R$ 50 por mês durante dez anos.

Citando esse quadro de aquecimento, a diretoria da Caixa refuta todas as críticas em relação ao não enquadramento das empresas menores. O banco espera que construtoras de todos os portes participem em todos os segmentos e duvida que as garantias exigidas venham a inibir a atuação de empresas pequenas ou médias em qualquer dos nichos definidos pelo programa habitacional. A instituição financeira afirma, ainda, que suas expectativas são de que a procura por financiamento para a construção de casas populares supere a oferta de 400 mil unidades previstas, embora até agora o desempenho desse segmento seja, de fato, inferior em relação aos outros (veja tabela).

“O que está ocorrendo neste momento e que explica o menor volume de projetos para este grupo (de zero a três salários) é que, até então, não havia estoque de projetos direcionados para esse público. No entanto, existe um forte movimento de empresas de diferentes portes – grandes, médias e pequenas – estruturando projetos para esse grupo de futuros mutuários”, justifica a Caixa.

A considerar pelo movimento da empresa paulista Consultab, especializada em orientar processos na Geric da Caixa (gerência que analisa os pedidos de crédito), a justificativa é fato. O sócio-proprietário da empresa, o contador e auditor Afonso Henrique Martins, diz que está sem tempo de atender tantos pedidos de Geric. “Normalmente, eu atendia 1,2 Geric por mês; em maio atendi seis e nem respondi alguns porque não tinha condições de pegar mais trabalho”, confessa. Segundo ele, 80% da procura é para o segmento de casas populares.

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